O início de um novo capítulo
Têm as mulheres razão em serem cautelosas com a IA?
O futuro da parceria homem-máquina tem um grande potencial. Mas com um grande poder vem uma grande responsabilidade. A pergunta é, quem é que o controla?
As mulheres estão a caminhar numa corda bamba tecnológica
Vimos repetidamente mulheres — e outros grupos vulneráveis e/ou sub-representados — prejudicadas por inovações tecnológicas. Considere, por exemplo, os algoritmos experimentais que excluíram os CVs de mulheres porque foram treinados com uma proporção maior de CVs de homens.
A dolorosa verdade é que, se as mulheres não forem copilotos da atual revolução da IA, podem ser deixadas para trás, confrontadas com uma tecnologia que apresenta uma série de novas barreiras para ultrapassarem. Fundamentalmente, a representação feminina no desenvolvimento da IA ainda tem um longo caminho a percorrer. As mulheres continuam a representar apenas 26% do setore, mesmo quando conseguem entrar no mercado, são mais propensas a enfrentar discriminação e 65% mais propensas a serem despedidas do que os homens.
As empresas perdem aproximadamente 50% das mulheres em cada fase da sua carreira, desde o nível inicial até às funções de liderança. A representação das mulheres no mercado de trabalho teve um impacto significativo durante a pandemia e a adoção da IA em funções onde as mulheres estão sobre representadas pode exacerbar esta tendência. Esta situação ameaça ser um golpe duplo que pode deixar lacunas significativas na representação das mulheres a todos os níveis.
À medida que aceleramos em direção à era da IA, torna-se cada vez mais evidente que temos de abordar os riscos relacionados com o preconceito de género e inclusão. As organizações terão de trabalhar arduamente para mudar mentalidades e comportamentos, de modo a promover uma mudança cultural, para que as mulheres, grupos sub-representados e minoritários não sejam deixados para trás neste mundo digital em rápida evolução.
Organizational Psychologist, Co-Founder and Managing Director at Mercer Talent Enterprise
Irá a IA trazer vitórias ou perdas para as mulheres no trabalho?
A IA está destinada a perturbar e a eliminar, bem como criar, postos de trabalho, e as mulheres estão entre as pessoas que se prevê serem mais afetadas por estas mudanças. Porquê? Porque as mulheres ocupam mais postos de trabalho que se espera que sejam perturbados pela IA e, portanto, serão mais afetadas negativamente (como 54% dos executivos apontaram para esta tendência no estudo Global Talent Trends deste ano).
Por exemplo, os setores da administração, cuidados de saúde, educação e serviços sociais têm todos proporções elevadas de mulheres. Estes setores estão entre os mais suscetíveis de sofrerem perdas generalizadas de postos de trabalho devido à IA e à automação. De facto, o Fórum Económico Mundial prevê que até 2027, haverá menos 26 milhões de postos de trabalho em funções como administrativos, operadores de caixa, processamento de salários e secretariado.
Este corte no emprego das mulheres pode ter um efeito negativo na sua capacidade de prosperar até à velhice, exacerbando a lacuna que já existe de 40% de equidade nas pensões As mulheres já estão preocupadas: Os dados do nosso estudo Global Talent Trends de 2024 mostram que as mulheres têm menos probabilidade do que os homens de confiar na sua organização para lhes proporcionar um novo emprego ou carreira alternativa se a sua função for eliminada.
As mulheres correm o risco de ficar para trás
Os nossos estudos sugerem que as mulheres são mais cautelosas com a tecnologia do que os homens e, por conseguinte, menos propensas a experimentar novas tecnologias no trabalho (60% vs. 64%). Este facto é preocupante, uma vez que a literacia tecnológica está entre as cinco principais competências mais importantes para as organizações. Em parte, isto deve-se à sua segurança psicológica no local de trabalho (84% dos homens sentem isto versus 80% das mulheres). A preferência das mulheres por funções híbridas, onde a aprendizagem através da observação pode ser mais limitada, pode também ser um fator (38% das mulheres preferem o trabalho híbrido em comparação com 34% dos homens).
O estudo Mercer “Talent Enterprise” também concluiu que as mulheres consideram, em geral, a ambiguidade, a mudança, a resiliência e a agilidade mais desafiantes do que os homens. Além disso, as mulheres estão menos confiantes de que as suas competências podem ser implementadas/transferidas para novas funções. Também têm mais probabilidade de subestimar as suas competências e capacidades. Isto faz com que algumas mulheres evitem abraçar novas oportunidades.
Consequentemente, existe o risco real de as mulheres ficarem para trás. Por conseguinte, é necessário proporcionar-lhes oportunidades, formação e incentivo para ajudar a abraçar novas tecnologias.
A boa notícia é que, em média, os estudos indicam que as mulheres tendem a pontuar mais do que os homens em atributos críticos relacionados com a inteligência social e emocional, incluindo compaixão, colaboração e empatia. Estes são atributos que podem tornar-se mais importantes à medida que procuramos equilibrar a automação com a humanização no local de trabalho. De facto, a empatia está entre as dez principais competências do futuro, segundo o Fórum Económico Mundial.
O potencial e os perigos de um futuro do trabalho impulsionado pela IA
A IA e a automatização irão, sem dúvida, trazer mudanças positivas à forma como trabalhamos. A nossa análise sugere que os ganhos de produtividade impulsionados pela IA podem libertar 36 dias úteis por ano para um trabalhador médio, em todos os países e setores de atividade.
Esta nova tecnologia reduzirá o tempo gasto em trabalho rotineiro e repetitivo (que atualmente ocupa cerca de um terço do tempo dos colaboradores). Também ajudará a otimizar os 26% de tempo, atualmente gasto em trabalho criativo e/ou desafiante.
Para as mulheres, a quem geralmente cabem as tarefas de “trabalho administrativo” (como escrever notas de reuniões), isto pode ser um game-changer. Pode ajudar a resolver o facto de as mulheres estarem menos energizadas no trabalho do que os homens (uma diferença de 4 pontos percentuais) e terem menos probabilidade de sentir que estão a prosperar (uma diferença de 5 pontos percentuais).
Com a IA e a automação a oferecerem a dádiva do tempo, as mulheres podem concentrar-se em tarefas mais importantes e visíveis, como networking, capacitação e requalificação (atualmente, menos de um quinto do tempo de trabalho é dedicado a estas tarefas). Poderiam também dedicar mais tempo a atividades internas que abrem caminho a novas oportunidades de carreira (atualmente, os colaboradores passam apenas 16% do seu tempo nestas tarefas). O aumento da produtividade pode fazer com que a semana de quatro dias, a partilha de trabalho ou horários alternativos se tornem mais comuns. Estas alterações podem ser uma vitória para muitos, especialmente para as mulheres que regressam de uma pausa na carreira ou de uma licença de maternidade.
A IA já está a acelerar a transição para organizações com foco em competências e a eliminar identificadores que anteriormente permitiam que a parcialidade colocasse as mulheres em desvantagem. No entanto, a IA exige que a base dessas decisões estratégicas use dados equitativos. Infelizmente, as diferenças na forma como as mulheres e os homens partilham e validam as suas competências representa um desafio nesta área.
O Burnout afeta todos os géneros
Curiosamente, não existem diferenças estatisticamente significativas nas taxas de burbout entre géneros.
Perceber o potencial da IA
O potencial da IA e da automação só será totalmente reconhecido se:
- Os ganhos de produtividade prometidos forem distribuídos equitativamente.
- A IA for gerida de forma responsável.
- Os dados forem utilizados para incentivar as lideranças a promoverem oportunidades e remunerações justas.
Para tornar estes cenários uma realidade, as organizações podem considerar as seguintes questões e respetivas medidas:
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Perspetivas sobre o tema são poderConheça a taxa de progressão das mulheres em cada nível da sua organização. Separe quaisquer desigualdades em remuneração, saúde e acesso a oportunidades, e tente perceber o porquê (e quais os motivos) pelos quais as mulheres saem da organização ou por que as suas carreiras ficam estagnadas. Dê às mulheres uma visão das suas competências e destaque quaisquer lacunas de aprendizagem que sejam críticas para a promoção.
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Incorporar o sentimento de inclusão e pertença no ADN da liderançaConsidere utilizar ferramentas fidedignas orientadas por IA para melhorar a tomada de decisão. Quando geridas corretamente, estas ferramentas podem desempenhar um papel de apoio aos gestores na tomada de decisões relativas a contratação equitativa, ajustes salariais fora de ciclo e/ou alocação a projetos especiais.
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Melhorar a literacia tecnológicaIncentive as mulheres a adotarem uma cultura Digital-first e a desenvolver o seu know-how em IA. Combata culturas de trabalho tóxicas, promova intervenções de aprendizagem focadas e intencionais desenho do trabalho para criar espaço suficiente para a aprendizagem.
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Construa uma marca em torno da empregabilidadeDefina diretrizes sobre as funções que podem ser preenchidas internamente e as que podem ser contratadas externamente. Tenha em consideração métricas de diversidade, equidade e inclusão durante processos de redução de pessoas ou atividade após um processo de fusão e aquisição (M&A).
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Apoiar a carreira das mulheresGaranta que as mulheres têm promotores que defendem a sua progressão na carreira (em vez de mentores que partilham conhecimento e orientação). Crie ativamente percursos profissionais para mulheres cujos postos de trabalho são suscetíveis a serem deslocados, de modo a que possam passar para outras funções que tenham potencial de crescimento.
O que nos espera?
Juntamente com as medidas acima, especialistas e organizações devem verificar continuamente a IA de forma a garantir que está a tornar a vida de todos mais facilitada, por:
- Monitorizar quaisquer impactos adversos
- Manter os humanos no centro do processo da tomada de decisão
- Garantir que a convergência da IA expõe em vez de mascarar, os preconceitos
A nível global, são necessárias novas leis e mecanismos de proteção para garantir que a IA atua como uma ferramenta facilitadora no sucesso das mulheres. Quando tratada de forma previsível e com um olho crítico, a IA tem o potencial de reduzir o preconceito e melhorar o trabalho através de aumentos de produtividade. Isto tem o potencial de libertar espaço para a progressão na carreira das mulheres.
Estes efeitos positivos podem ir ainda mais longe, incentivando as mulheres a tomar decisões mais inteligentes que beneficiam a sua saúde, situação financeira e carreira (por exemplo, através de previsões melhoradas e orientadas por IA). A IA oferece o potencial de personalizar a compensação total. Também pode reunir conhecimentos e aprendizagens que as empresas podem utilizar para tornar o trabalho mais recompensador.
Se nos mantivermos cientes dos seus riscos e respetivas limitações, a utilização intencional da IA e de outra tecnologia emergente pode marcar um novo começo. Isto oferece um futuro do trabalho mais gratificante e capacitador, juntamente com muitas oportunidades para as mulheres empreenderem projetos pessoais e de aprendizagem ao longo da vida.
is an Organizational Psychologist, Co-Founder and Managing Director at Mercer Talent Enterprise.